E devo acrescentar: O tal Fax...
Teria sido uma luva cara: 250 mil euros. Em 1989, a empresa alemã
Weidleplan exige num fax que o governador de Macau, Carlos Melancia,
devolva 50 mil contos (250 mil euros). Quando a mensagem é divulgada,
nasce o escândalo "Fax de Macau", que termina em 2002. Com reticências.
Em
Março de 1988, o representante da Weidleplan em Portugal, António
Strecht Monteiro, contacta o socialista Rui Mateus e propõe-lhe um
negócio. Mateus é o homem forte da Emaudio, uma empresa constituída após
a eleição de Mário Soares como Presidente da República e com objectivos
na área da comunicação social. Segundo o próprio Mateus escreve no
livro "Contos Proibidos - Memórias de um PS Desconhecido", a Emaudio
conta "com muitas dezenas de milhares de contos ?oferecidos? por Maxwell
[Robert Maxwell, magnata da comunicação social] e uma importante
contribuição de uma empresa próxima de Almeida Santos". Os alemães
pretendem ficar como consultores do novo aeroporto internacional da
região, mas não conhecem o governador Melancia, ao contrário de Rui
Mateus, que até é seu colega na Emaudio. Mateus fala com os outros
sócios (Menano do Amaral e Tito de Morais) e aceita fazer a apresentação
entre Melancia e a Weidleplan. É assim que Strecht Monteiro e um
empresário alemão, Peter Beier, acabam a conversar com Carlos Melancia
na Missão de Macau, em Lisboa. Depois de se despedirem do governador, o
grupo festeja no sofisticado restaurante Gambrinus.
No início de
1989, a empresa de consultadoria concorre para ganhar o contrato na
construção do aeroporto. Nas semanas seguintes, Beier e Strecht Monteiro
vão a Macau e conversam com o secretário-adjunto para os grandes
empreendimentos, Luís Vasconcelos. "É verdade que os senhores Peter
Beier e António Strecht Monteiro, representando a empresa alemã
Weidleplan Consulting, estiveram por mais de uma vez em Macau,
preparando a entrada daquela empresa no concurso", confirmou Vasconcelos
em 1989. Os alemães estão satisfeitos e decidem transferir 606 mil
marcos para a conta de Strecht Monteiro, para que ele os entregue à
Emaudio.
Ao longo do mês, a Weidlplan percebe que a vitória no
concurso lhe está a escapar. Começa a exigir a Strecht Monteiro que
pressione os amigos portugueses, mas eles, entretanto, zangaram-se com
Melancia e já não exercem qualquer influência sobre o governador. A 12
de Maio, a Weidleplan é desclassificada do concurso e decide reaver o
dinheiro. Envia o fax sem obter qualquer resposta. Embora Mário Soares
sempre o tenha desmentido, Rui Mateus escreve: "[Almeida Santos]
disse-me que Strecht Monteiro lhe tinha entregado uma cópia em mão e que
dela dera imediatamente conta ao Mário."
Nessa altura, como
admite em "Contos Proibidos", Mateus estava descontente com a situação
na Emaudio e, "em Fevereiro de 1990, num acto desesperado," passa o fax
ao jornal "O Independente", que o publica a 16 de Fevereiro. A partir
deste momento, começam as dúvidas. As autoridades alemãs conseguiram
provar que o fax foi enviado da sede da Weidleplan, mas nunca se
descobriu o seu autor. A 16 de Maio, a Polícia Judiciária entrou na sede
da Emaudio, surpreendeu Rui Mateus com um mandado de busca e encontrou
provas do pagamento feito pela Weidleplan - por isso nunca se percebeu
porque é que o montante foi exigido a Carlos Melancia. Em 1993, Melancia
foi absolvido da acusação de corrupção activa, Mateus e os colegas da
Emaudio foram condenados. A absolvição é confirmada nove anos depois,
pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas Carlos Melancia demitiu-se em 1989
e nunca mais ocupou um cargo público. Dedicou-se ao negócio hoteleiro e
tem hoje 82 anos.
Anos antes, durante o julgamento, e depois de
prestar declarações na Procuradoria-Geral da República, Strecht Monteiro
foi agredido à porta de casa. Depois, a residência foi assaltada e
desapareceram documentos relacionados com o processo. Nunca foram
encontrados.
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