quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ainda sobre o aeroporto de Macau

E devo acrescentar: O tal Fax...

Teria sido uma luva cara: 250 mil euros. Em 1989, a empresa alemã Weidleplan exige num fax que o governador de Macau, Carlos Melancia, devolva 50 mil contos (250 mil euros). Quando a mensagem é divulgada, nasce o escândalo "Fax de Macau", que termina em 2002. Com reticências.

Em Março de 1988, o representante da Weidleplan em Portugal, António Strecht Monteiro, contacta o socialista Rui Mateus e propõe-lhe um negócio. Mateus é o homem forte da Emaudio, uma empresa constituída após a eleição de Mário Soares como Presidente da República e com objectivos na área da comunicação social. Segundo o próprio Mateus escreve no livro "Contos Proibidos - Memórias de um PS Desconhecido", a Emaudio conta "com muitas dezenas de milhares de contos ?oferecidos? por Maxwell [Robert Maxwell, magnata da comunicação social] e uma importante contribuição de uma empresa próxima de Almeida Santos". Os alemães pretendem ficar como consultores do novo aeroporto internacional da região, mas não conhecem o governador Melancia, ao contrário de Rui Mateus, que até é seu colega na Emaudio. Mateus fala com os outros sócios (Menano do Amaral e Tito de Morais) e aceita fazer a apresentação entre Melancia e a Weidleplan. É assim que Strecht Monteiro e um empresário alemão, Peter Beier, acabam a conversar com Carlos Melancia na Missão de Macau, em Lisboa. Depois de se despedirem do governador, o grupo festeja no sofisticado restaurante Gambrinus.

No início de 1989, a empresa de consultadoria concorre para ganhar o contrato na construção do aeroporto. Nas semanas seguintes, Beier e Strecht Monteiro vão a Macau e conversam com o secretário-adjunto para os grandes empreendimentos, Luís Vasconcelos. "É verdade que os senhores Peter Beier e António Strecht Monteiro, representando a empresa alemã Weidleplan Consulting, estiveram por mais de uma vez em Macau, preparando a entrada daquela empresa no concurso", confirmou Vasconcelos em 1989. Os alemães estão satisfeitos e decidem transferir 606 mil marcos para a conta de Strecht Monteiro, para que ele os entregue à Emaudio.

Ao longo do mês, a Weidlplan percebe que a vitória no concurso lhe está a escapar. Começa a exigir a Strecht Monteiro que pressione os amigos portugueses, mas eles, entretanto, zangaram-se com Melancia e já não exercem qualquer influência sobre o governador. A 12 de Maio, a Weidleplan é desclassificada do concurso e decide reaver o dinheiro. Envia o fax sem obter qualquer resposta. Embora Mário Soares sempre o tenha desmentido, Rui Mateus escreve: "[Almeida Santos] disse-me que Strecht Monteiro lhe tinha entregado uma cópia em mão e que dela dera imediatamente conta ao Mário."

Nessa altura, como admite em "Contos Proibidos", Mateus estava descontente com a situação na Emaudio e, "em Fevereiro de 1990, num acto desesperado," passa o fax ao jornal "O Independente", que o publica a 16 de Fevereiro. A partir deste momento, começam as dúvidas. As autoridades alemãs conseguiram provar que o fax foi enviado da sede da Weidleplan, mas nunca se descobriu o seu autor. A 16 de Maio, a Polícia Judiciária entrou na sede da Emaudio, surpreendeu Rui Mateus com um mandado de busca e encontrou provas do pagamento feito pela Weidleplan - por isso nunca se percebeu porque é que o montante foi exigido a Carlos Melancia. Em 1993, Melancia foi absolvido da acusação de corrupção activa, Mateus e os colegas da Emaudio foram condenados. A absolvição é confirmada nove anos depois, pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas Carlos Melancia demitiu-se em 1989 e nunca mais ocupou um cargo público. Dedicou-se ao negócio hoteleiro e tem hoje 82 anos.

Anos antes, durante o julgamento, e depois de prestar declarações na Procuradoria-Geral da República, Strecht Monteiro foi agredido à porta de casa. Depois, a residência foi assaltada e desapareceram documentos relacionados com o processo. Nunca foram encontrados.

..