A título de nota:
"A grande fraude
Marinho Pinto, 26-08-2012 in JN
Os dados recentemente divulgados pelo Banco de Portugal sobre a dívida
pública revelam que esta entrou numa espiral, aparentemente,
incontrolável. Com efeito, no final do primeiro semestre deste ano a
dívida ultrapassou o nível recorde de 214 500 000 de euros (duzentos e
catorze mil e quinhentos milhões de euros), o que corresponde a 131,4%
do nosso PIB (produto interno bruto).
Sublinhe-se que em dezembro de 2012 o total da dívida correspondia a
123,8% do PIB e que em março já era superior a 127%.
De
salientar ainda que esse agravamento aumentou de forma incomportável
para um país como Portugal - pobre e sujeito a medidas de austeridade
que tornam ainda mais insustentável e incompreensível esse progressivo
endividamento. Só nos primeiros seis meses de 2013 a dívida pública
cresceu a um ritmo superior a 67 milhões de euros por dia, ou seja, por
cada dia que passou acrescentou-se mais de 67 milhões de euros ao seu
total acumulado, enquanto em 2012 o agravamento era de 53,6 milhões de
euros por dia. Esta situação revela que, no mínimo, são levianas as
promessas de superação da crise que têm sido feitas aos portugueses
pelos atuais governantes e por alguns dos seus seguidores. Por isso,
torna-se inevitável a pergunta: a dívida pública teria crescido tanto,
em relação ao PIB, se tivesse sido adotada uma política diferente da que
foi seguida pelo Governo do PSD e do CDS, ou seja, uma política de
expansão da economia, com forte investimento público e sem
empobrecimento deliberado da classe média? Sejamos ainda mais incisivos:
este aumento da dívida pública ocorreu apesar das medidas de
austeridade ou, justamente, por causa das medidas de austeridade? É
óbvio que as respostas a estas perguntas dificilmente se conterão nos
parâmetros de rigor próprios da ciência económica e financeira e,
facilmente, resvalarão para o terreno movediço da mentira e da demagogia
políticas. Mas nem por isso deixa de ser pertinente (quase diria
premente) perguntar: como é possível este progressivo endividamento do
país quando todo o discurso público do Governo (e dos partidos que o
constituem) nos garantia que os sacrifícios impostos ao povo português,
sobretudo aos mais desfavorecidos, seriam a única via para nos
libertarmos dos grilhões asfixiantes da própria dívida?
O
grande responsável pela política financeira do Governo era o anterior
ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que bateu estrondosamente com a
porta cansado que estava de esperar que o substituíssem na nave de
loucos em que se transformara o Governo. E o que nos deixa perplexos nem
é tanto a forma espalhafatosa como ele abandonou o Executivo,
divulgando ao país a carta de demissão que acabava de enviar ao
primeiro-ministro. O que verdadeiramente espanta é que ele tenha saído
sozinho como se mais ninguém tivesse a ver com a política de austeridade
do Governo. Por isso, novas interrogações se nos deparam: se a política
seguida pelo Governo era correta e estava em vias de dar os seus
benfazejos resultados, por que é que o seu principal responsável não
esperou para colher ele próprio os bons frutos dos sacrifícios que
impusera ao povo português? Por que é que, estando em vias de alcançar
os tão desejados leite e mel da sua árdua caminhada ele desertou,
precisamente quando as trombetas do próprio Governo já anunciavam que a
terra prometida estava à vista? Algo está muito mal contado nesta
história. Ou estamos perante um homem que foge do seu próprio triunfo ou
então perante uma gigantesca fraude política como não há memória na
história da República.
O mais certo é estarmos perante uma
burla continuada ao povo português que, entre outros efeitos, conduziu à
entronização do setor mais aventureiro e oportunista do próprio bloco
do poder. Uma coisa é certa: a saída do antigo ministro das Finanças
possibilitou a ascensão de pessoas pouco recomendáveis devido aos
escândalos em que estão envolvidos. Algumas delas têm (senão as mãos,
pelo menos) as reputações manchadas pela suspeita de recebimento de
luvas em aquisições de equipamentos para o Estado, por swaps
fraudulentos em empresas públicas e pela fuligem de negociatas leoninas
com o BPN."
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